A Lição 1

Estamos no ano 2003, numa manhã ensolarada. É uma quinta-feira, exatamente dia 22 de maio.

Fomos chamados às pressas à casa de nosso pai que não estava passando bem, com grandes dificuldades respiratórias. Passava realmente muito mal, ligamos para o seu médico que recomenda levá-lo imediatamente para o Hospital local, para ficar em observação.

Bom, estamos dentro do Hospital, francamente nunca o vimos tão lotado, parecendo que todo mundo havia combinado de passar mal nesse dia, de tanta gente que lá estava à espera dos cuidados médicos.

O médico nos informa que o problema de nosso genitor era grave, e que a dificuldade respiratória era proveniente de sérios problemas no coração. Além de sopro ainda existia uma deficiência na válvula mitral, que não permitia ao seu coração funcionar plenamente. Essa “máquina” mantenedora da vida estava dando sinais de cansaço. Também pudera são oitenta e um janeiros ininterruptos de trabalho, sem um minuto sequer de descanso.

Foi encaminhado a uma sala para observação. Estávamos tentando animá-lo com uma brincadeira ou outra. Como para nós tudo faz parte da vida, não devemos nos abater diante de nada, então lhe fizemos essa pergunta: E aí pai, se o seu dia for hoje, qual dos dois destinos o senhor acha que terá: céu ou inferno? Após um breve tempo, nos sorri e disse-nos: “Um pai sempre não quer o bem dos seus filhos?” Embora a resposta fosse uma pergunta, achamos que apesar de que sempre nos demonstrasse não ser religioso, pois não frequentava nenhuma Igreja, foi, para nós, a resposta mais sensata que ouvimos.

Infinitamente mais sensato do que a grande maioria das pessoas que se dizem religiosas, que apesar de acreditarem num Deus de amor, como um Pai de infinita misericórdia, teria a coragem de enviar um filho para o sofrimento eterno, nas profundezas do inferno.

A lição é que, a quem pressupúnhamos sem qualquer tipo de religiosidade, deu-nos uma amostra de ser mais religioso do que muitos “religiosos” que conhecemos. Meditando sobre isso, chegamos à triste conclusão de que, talvez, seja melhor mesmo não ter religião alguma do que ter uma que nos apresenta um Deus fazendo coisas que nenhum pai humano faria.

E o que mais nos deixou perplexos foi que ele dizia não acreditar em vida após a morte. Mas, mesmo assim, demonstrou absoluta confiança em Deus, de tal forma que não passa por sua cabeça a mínima possibilidade de não ter um destino bom, daí sua resposta: “Um pai sempre não quer o bem dos seus filhos?”.

Esse pensamento é o que comungamos, ou seja, temos a certeza absoluta de que sendo “Deus, Deus dos espíritos de todos os seres vivos!” (Nm 16,22), quer dizer que Ele é “Pai dos espíritos” (Hb 12,9). Mais convictos, ainda, somos de que “Tu [Deus] amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que criastes. Se odiasse alguma coisa, não a terias criado” (Sb 11,24), por isso não nos colocaria em uma situação de sofrimento eterno. Todos nós, quer queiramos ou não, quer acreditemos ou não, um dia estaremos juntos ao Pai, já que Deus “quer que todos os homens sejam salvos” (1Tm 2,4). Ou será que alguém ou alguma coisa conseguirá se superar a vontade de Deus?

Mai/2003.

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Paulo Neto
É palestrante e articulista da Mídia Escrita Espírita e não Espírita, com vários artigos publicados em um grande número de jornais e revistas, muitos dos quais poderão ser encontrados na Internet e principalmente neste site.