A ressurreição Paulina e a reencarnação

O apóstolo Pedro diz que Paulo ensina coisas de difícil compreensão (2 Pedro 3, 15 e 16). E eu diria que Pedro foi muito cortês com Paulo, pois, na verdade, Paulo, às vezes, é confuso em alguns de seus ensinos. Ademais, acrescente-se a isso o fato de os judeus, no tempo de Jesus, não entenderem bem o que era a ressurreição e a vida após a morte do corpo.Os saduceus, por exemplo, achavam que tudo acabasse com a morte. Também era freqüente entre os judeus a idéia de que o carma acontecia na própria vida em que estava o indivíduo.

Daí o quarto mandamento ensinar que terão uma vida longa os filhos que amarem e honrarem seus pais. No princípio, Paulo imaginava que ele e seus contemporâneos assistiriam à segunda volta de Jesus. Mas depois, ele se convenceu de que estava equivocado, e chegou à conclusão de que a vinda de Jesus não seria tão iminente, como ele pensara antes, mas num futuro fora da sua geração. Paulo ensinou que nós temos dois corpos, um da natureza e outro espiritual, e que ressuscita o espiritual (1 Coríntios 15,44).

Dizendo de outro modo, não é a carne que ressuscita, mas o espírito. Esse é também o pensamento do maior teólogo da Igreja da atualidade: o espanhol André Torres Queiruga, da Universidade de São Tiago de Compostela, em seu livro “Repensar a Ressurreição”, Ed. Paulinas. E ele afirma que inclusive a ressurreição de Jesus foi do espírito.

Aliás, isso está também em outras partes bíblicas: “Ao morrer o homem, seu corpo retorna à terra que o deu, e o seu espírito retorna a Deus que o deu” (Eclesiastes 12,7). E Paulo, falando ainda da ressurreição, diz que as carnes não se misturam, que uma é a carne dos peixes, outra a das aves, outra a dos animais e outra a do homem (1 Coríntios 15,39).

Como vimos acima, ele fala que a ressurreição é do espírito. Logo, se aqui ele envolve a carne humana, é porque está falando de outro tipo de ressurreição, ou seja, a ressurreição do espírito na carne, que é sinônimo de reencarnação. E, certamente, ele estava mandando um recado para os filósofos gregos de sua época, que acreditavam na metempsicose, isto é, a ressurreição ou reencarnação do espírito em corpos de animais. Daí ele ter feito esse destaque de que as carnes não se misturam.

E, destarte, Paulo não está caindo em contradições, pois, se é o espírito que de fato ressuscita, ora ele ressuscita no mundo espiritual depois da morte do corpo (Eclesiastes 12,7), ora ressuscita ou reencarna no nosso mundo físico, ou seja, na carne humana de um novo corpo de pessoa.

E essas duas ressurreições alternadas, ora no mundo espiritual, ora na carne, não negam a chamada ressurreição final bíblica do Juízo Final, que podemos denominar de libertação definitiva por parte do espírito da matéria densa de nosso mundo físico, e indo para outros mundos mais evoluídos do que a nossa Terra. Vemos isso confirmado por João no Apocalipse: “Aquele que se tornar vitorioso, eu o transformarei em coluna no reino dos céus, donde ele não sairá mais” (Apocalipse 3,12). E a Bíblia nos fala também dessa ressurreição superior, em grego “Kreiton” (Hebreus 11,35). E após essa libertação total do espírito vitorioso, ele só sairá de lá para vir ao nosso mundo, em missão especial, por sua livre e espontânea vontade.

É que, como Jesus, ele poderá dizer “Eu venci o mundo” (João 16,33). Mas até lá, o espírito ficará reencarnando para evoluir aqui no nosso Planeta, fazendo, como se diz, após cada morte do corpo, um estágio no mundo espiritual.

E Paulo tem um momento em que ele parece estar um pouco impaciente com relação a esses assuntos mal compreendidos pelas pessoas de sua época, e quiçá até por ele mesmo, o que o levou a esta colocação: “Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? e em que corpo vêm?

Insensatos! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer…” (1 Coríntios 15,35 e 36). Atentemos para o fato de que Paulo usa a expressão verbal “vêm”, o que quer dizer que a ressurreição a que ele está se referindo, naquele momento, é mesmo uma vinda ou retorno a esse nosso mundo e não uma ida para outro mundo. E essa vinda ou retorno do espírito aqui no nosso mundo é justamente a reencarnação.

Aliás, essa palavra reencarnação, que muitos gostam de afirmar que não a encontram na Bíblia, não está mesmo nela, pois ela só foi criada por Kardec, em meados do século19. Porém a reencarnação já era conhecida nos tempos antigos pelo nome de renascimento. E ela aparece na Bíblia com o nome de ressurreição e geração. Jó afirma que nós somos de ontem, e nada sabemos (Jó 8,9). E ele, no texto, está falando justamente de “gerações” passadas, e não num ontem de vinte e quatro horas anteriores (mais detalhes em nosso livro: “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência”, 7a edição, capítulo 3, EBM Editora, Santo André, SP).

Logo que a ressurreição paulina é, como foi dito, do espírito (1 Coríntios 15,44), quando Paulo afirma: “Porque é necessário que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade”(1 Coríntios 15,53), para que não haja, aqui também, uma contradição em relação ao texto já citado (1 Coríntios 15,44), temos que entender que o “Apóstolo dos Gentios” está usando uma linguagem metafísica semelhante àquela de Jesus, quando Ele fala ao jovem que O quer seguir: “Deixe que os mortos enterrem seus mortos”.

Mortos aqui não são os mortos biológicos, mas metafísicos. Metafisicamente falando, pois, o termo paulino “corruptível” é uma referência ao próprio espírito ainda atrasado ou ainda dominado pelo pecado, enquanto que a palavra “incorruptibilidade”, num sentido também metafísico, é também o espírito já purificado, já liberto ou sem mais carma, ou aquele que se tornou vitorioso (Apocalipse 3,12).

Então, quando Paulo fala que é necessário que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista de imortalidade, ele está falando metafisicamente do espírito ainda corruptível, mas que se tornará, com sua evolução, incorruptível e, portanto, de mortal que era metafisicamente falando, reveste-se de imortalidade (1 Coríntios 15,53).

Com efeito, o corpo, matéria que é, é sempre corruptível ou mortal, e nunca vai ser incorruptível, imortal, não podendo, pois, jamais fazer parte do reino dos céus ou do mundo espiritual. Dizendo em outros termos, o corpo material, carnal, nunca se tornará incorruptível e jamais se revestirá de imortalidade. Já o espírito é corruptível e mortal apenas metafisicamente falando, o que só ocorre também temporariamente, pois que, na verdade, ele é imortal e se revestirá da imortalidade metafísica e moral com sua evolução espiritual.

E lembramo-nos aqui de que Deus, que é o Pai dos espíritos (Hebreus 12,9), não tem corpo, e de que nós somos semelhantes a Ele justamente porque somos também espíritos, que um dia, deixaremos de ter corpos, os quais são incompatíveis com a dimensão espiritual. Aliás, é o próprio Paulo que diz: “Carne e sangue não podem herdar o reino dos céus” (1 Coríntios 15,50).

E também Jesus igualmente ensinou que a carne para nada aproveita (João 6,63) e que os ressuscitados são iguais aos anjos (Mateus 22,30). Ora, os anjos bíblicos, embora possam materializar-se para nós, são também espíritos sem corpos. Por que nós teríamos corpos na dimensão espiritual, na qual não há lugar para a matéria, a carne, mas só para os espíritos, a começar pelo próprio Deus?

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José R. Chaves
Escritor, professor de português, jornalista, biblista, teósofo, pesquisador de parapsicologia e do Espiritismo. Tradutor de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Kardec. E autor dos livros, entre outros, “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência” e “A Face Oculta das Religiões”, ambos lançados também em inglês nos Estados Unidos.