Texto Introdutório
Seja por constituir um objeto de grande interesse do público, seja pelo sua ampla notoriedade frente aos novos desenvolvimentos da civilização, a Ciência provocou, é certo, uma profunda revolução na história da humanidade. A história diz que acontecimentos como a revolução industrial e as guerras recentes tiveram como arcabouço o lento porém profundo desenvolvimento das disciplinas científicas. O impacto das ciências com consequências tecnológicas foi decisivo para a estrutura econômica contemporânea, criando uma fissura de origem nitidamente técnica entre países ricos e pobres. “Países em desenvolvimento” esforçam-se por se livrar de seu passado menos desenvolvido, buscando políticas públicas de fomento à pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.
Nesse panorama em que a Ciência substituiu a religião em muitos aspectos do dia-a-dia moderno, existe alguma receita para se ter boa ciência? Como se dá o processo de geração de conhecimento genuinamente científico? Como se distingue uma disciplina em seus aspectos científicos, e quem é responsável por essa distinção? A parte do interesse geral que respostas a essas questões podem ter, surge também naturalmente dúvidas, na mente de muitos espíritas, sobre a estruturação científica da Doutrina Espírita. Há um consenso geral de que o Espiritismo deva se curvar (embora não implicando se modificar) frente a novas descobertas e teorias da Ciência, embora não se saiba muito bem como isso deva acontecer. Há muitos espíritas que apressadamente propõem uma “revisão” dos fundamentos ou de partes secundárias da doutrina, embasando-se em aparentes justificativas fundamentadas em novas teorias científicas. Tal situação cria climas de conflitos sem justificativa, quando as tensões aparecem por falta de conhecimento das sutilezas do processo de desenvolvimento da ciência e de sua própria conceituação.
É para dirimir essas dúvidas e esclarecer os aspectos verdadeiramente científicos do Espiritismo que os textos do Alexandre foram escritos. Partindo da experiência adquirida em seu treinamento em física, que é uma das ciências de maior prestígio na atualidade e que maior influência teve sobre o desenvolvimento de vários campos do conhecimento (inclusive sobre psicologia moderna), é feita uma descrição do modo de operação e desenvolvimento dessa ciência. Uma definição suficientemente ampla de ciência é difícil de ser concebida em poucas linhas, mas podemos ter uma boa ideia do que é fazer ciência física genuinamente por uma descrição detalhada do processo de pesquisa em física, o que é muito mais simples. Parte-se, então, a partir de um paralelo com os estudos espíritas para a conclusão nitidamente kardequiana de que o Espiritismo é uma ciência genuína, embora o objeto de estudo dessa ciência não seja da mesma natureza que o de outras ciências materiais. A distinção entre objetos de estudo é crucial para se compreender bem que, longe de querer modificar o Espiritismo ou de pretender que ele dispute com a Física ou disciplinas correlacionadas um status de igualdade, devemos compreendê-lo como o grande complemento a uma visão unificada das coisas ao nosso redor, onde matéria e espírito são os grandes constituintes. Desta forma, não é necessário que a Física desvende as últimas dimensões da matéria e encontre o espírito para que o Espiritismo tenha reconhecimento, pois esse valor, independentemente do reconhecimento, ele já o tem. Muito menos precisa a Doutrina Espírita se torcer para incluir entre seus postulados determinadas descobertas recentes, posto que tais descobertas são feitas sobre objetos do munto material que não coincidem com os objetos de estudo da Doutrina Espírita, além do caráter quase sempre transitório das teorias construídas em torno dessas pesquisas. É prejudicial ao desenvolvimento natural da Doutrina Espírita como ciência querer fundi-la com qualquer teoria física justamente porque essas teorias físicas se alteram dia-a-dia, além de versarem sobre objetos que tem pouca relação com o interesse principal da pesquisa espírita.
Após ler os textos do Alexandre passamos a compreender que todo espírita deve reconhecer nos progressos das ciências (não importando a origem deles, seja em novas descobertas nucleares ou no desvendamento do mecanismo dos genes) um avanço na direção oposta à ignorância. Embora o desenvolvimento científico não se prenda, em princípio, à aplicações eticamente corretas, devemos entender que todo desenvolvimento é assim para o bem, uma vez que as sementes desses desenvolvimentos serão utilizadas no futuro para facilitar ou amenizar nossas dificuldades materiais, além das possibilidades sempre presente de se fazer o bem com tais descobertas. Os que se impressionam com essas novas descobertas não tem razão assim para maiores temores: assim como o Espiritismo, a Ciência caminha em direção à verdade, fonte de toda libertação.
(Artigo extraído do GEAE – Boletim 483)