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Kardec e a proibição de Moisés

Que pensar da proibição imposta por Moisés aos hebreus, no sentido de não se evocarem as almas dos mortos? Que interpretação poderíamos tirar do fato, relativamente às evocações atuais?

A primeira consequência a tirar-se dessa proibição é a de que é possível evocar as almas dos mortos e estabelecer relações com elas. A proibição de se fazer uma determinada coisa implica a possibilidade de fazê-la. Por exemplo, será necessário decretar-se uma lei proibindo a subida à Lua?

É realmente curioso ver-se os inimigos do Espiritismo reivindicarem ao passado o que julgam poder servir-lhes e repudiarem esse mesmo passado todas as vezes em que ele não lhes convém. Se invocam a legislação de Moisés para esta circunstância, por que não reclamam a sua aplicação integral? Duvido, entretanto, que algum entre eles esteja tentado a fazer reviver o seu código mosaico, sobretudo o penal, draconiano, tão pródigo em penas de morte. Dar-se-á então que, ao entender deles, Moisés procedeu corretamente em certas circunstâncias e erradamente em outras? Mas, nesse caso, por que estaria certo no que concerne às evocações? É que, dizem, Moisés fez leis apropriadas ao seu tempo e ao povo ignorante e indócil que conduzia. Mas, essas leis, salutares naquele tempo, já não enquadram aos nossos costumes e à nossa cultura. Ora, é precisamente isso que dizemos em relação à proibição de evocar os espíritos. Entretanto, o fato, em sua época, é justificável, como podemos verificar.

Os hebreus, no deserto, lamentavam vivamente a perda das doçuras do Egito e esta foi a causa das revoltas incessantes que Moisés, algumas vezes, não pode reprimir senão pelo extermínio. Daí a excessiva severidade das leis. Em meio a este estado de coisas, obstinava-se ele em fazer com que seu povo rompesse com os usos e costumes que lhe pudessem recordar o Egito. Ora, uma das práticas que os hebreus conservavam, era a das evocações, em uso naquele país, desde tempos imemoriais. E isso não é tudo. Esse uso, que parecia ser bem compreendido e sabiamente praticado na intimidade de pequeno núcleo de iniciados nos mistérios, degenerara em abuso e superstição entre o povo, que nele via apenas uma arte de adivinhação, sem dúvida, explorada pelos charlatães, como em dia hoje o fazem os ledores da sorte. O povo hebreu, ignorante e grosseiro, adquirira-o sobe esse aspecto abusivo.

Defendendo-o, Moisés realizou um ato de boa política e sabedoria. Hoje em dias as coisas já não são as mesmas, e o que podia ser outrora um inconveniente, já não o é no estado atual da sociedade. Todavia nós também nos levantamos contra o abuso que se poderia fazer das relações com o além-túmulo e afirmamos ser um sacrilégio, não o fato de estabelecerem-se relações com as almas dos que partiram, mas fazê-lo com leviandade, de maneira irreverente, ou por especulação. Eis por que o verdadeiro Espiritismo repudia tudo quanto pode roubar a essas relações, seu caráter grave e religioso, pois que esta seria a verdadeira profanação.

Além disso, se as almas podem se manifestar, elas o fazem com a permissão de Deus, e não há mal em fazer o que Deus permite. O mal, nesta como em todas as coisas, está no abuso e no mau emprego.

Fonte: KARDEC, A. Viagem espírita em 1862. Matão, SP: O Clarim, 2000, p. 101-102.

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Colaborador GAE
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