Vivia, num povoado pequeno, uma mulher a quem todos chamavam de D. Renúncia. Não era sem razão tal nome, pois ela realmente era a própria renúncia em pessoa. Tinha apenas um filho a quem dedicava todo o seu amor materno.
A vida dos dois era extremamente difícil, pois a mãe foi abandonada assim que seu namorado ficou sabendo que ela estava grávida. Com grandes dificuldades conseguiu ter a criança, e só Deus sabe como sobreviveu.
Mas o que mais realçava nela era sua dedicação ao filho. Quantas e quantas vezes deixou de se alimentar para que não faltasse nada ao seu rebento do coração. Em várias ocasiões passava frio só pelo prazer de ver seu filho bem agasalhado. Noites em claro por preocupação com o estado de saúde do filho. Para ela o seu filho era a sua única razão de viver, por isso fazia tudo para que a ele não faltasse qualquer coisa, por pequena que fosse.
Do filho ninguém sabia o verdadeiro nome só o chamavam pela alcunha de Ingrato. A sabedoria popular conseguiu identificar naquele filho mais um dos que não davam nenhum valor à sofrida mãe, esta era a razão do seu apelido. Caráter impossível de dobrar, egoísta ao extremo, pouco se importava com os sacrifícios que a mãe fazia para que ele tivesse tudo. Não se preocupou nem mesmo em arrumar um emprego para ajudar sua mãe na manutenção da casa. Era dos tais que só em sonhar que estava trabalhando acordava cansado. Quando queria algo não pedia mas exigia que sua mãe lhe desse, sem ao menos pensar que ela poderia não ter o dinheiro necessário para comprar o que desejava. Passava a maior parte do seu tempo bebendo num barzinho próximo à sua casa.
Passaram-se os anos, até que um dia a morte levou D. Renúncia, que recebida no plano espiritual pelos anjos foi logo levada “aos céus”. Pouco tempo depois o filho morreu vítima da bebida. Por tudo que fez na vida, teve na sua recepção no plano espiritual o demônio, que o levou diretamente para “o fogo do inferno”.
Essa é a nossa triste história, sobre a qual iremos refletir.
Temos duas hipóteses para a “vida” depois da morte. A primeira é que não levaremos para lá nossa individualidade. Se assim for é o mesmo que nunca tivéssemos existido, nada valendo, portanto, o que fomos nesta vida. A segunda é que seremos no mundo espiritual o que fomos na terra, somente desprovido do corpo físico. É o que acreditamos.
Assim sendo pergunto: será que D. Renúncia na nova vida já não se importaria mais com o filho? Se admitirmos que levamos para lá o que somos é certo que importaria. Ora, diante disso é certo que, pelo que ela foi em vida com relação ao filho, não ficaria feliz “no céu” vendo o seu filho sofrer “no inferno”, não é mesmo? Qual seria a atitude desta amorosa mãe? Não seria outra senão renunciar ao “céu” para ir ficar junto ao seu querido filho. Situação absurda você dirá. Entretanto veja o que acontece em nosso dia a dia, quando é deflagrada uma rebelião em algum estabelecimento penitenciário. Para nós, lá dentro, só existem criminosos, ao passo que para as mães somente filhos. Quantas, nestas circunstâncias, não dariam a própria vida para salvar a de seu filho? Porque então no outro lado da vida isso seria diferente?
A atitude de D. Renúncia, de deixar o “céu”, então seria a esperada. Se as mães deixarem “o céu” para irem “ao inferno” para estar com seus filhos, esse lugar nunca mais será um inferno, pois a mais alta expressão do sentimento de amor que conhecemos aqui na terra é o das mães. Assim elas acabariam por transformá-lo num lugar de paz e amor. Alguém duvida?
Pense nisso!
Maio/2001.