Os espíritos não passam de demônios?

O colunista de O Tempo, José Reis Chaves, na edição do dia 16/04, apresenta o texto “Não ao espírito santo teológico, mas sim ao da Bíblia, o verídico”(1); dentre os vários comentários de leitores, destacamos este:

A verdadeira diferença entre o que os verdadeiros evangélicos sabem e o que os “espiritas” pensam, é que estes espíritos citados pelo colunista não passam de demônios, pois a Bíblia diz que assim o é, e que depois de mortos nós não mais poderemos voltar para este mundo. (assinado: Liberal, São Paulo).

O motivo de comentarmos essa fala se prende ao fato de que ela é bem comum entre os “verdadeiros evangélicos”, e por acreditarmos ser uma boa hora para falarmos algo a respeito. Daí a razão de tomarmos essa postagem no jornal belorizontino O Tempo como exemplo, para tecermos nossos argumentos.

De início já estranhamos a qualificação que faz de si mesmo como “verdadeiro evangélico”, porquanto, isso só tem sentido se houver o “falso evangélico”, obviamente, aqueles que não lhe seguem a maneira de pensar. Isso é algo comum em pessoas que ainda não conseguem ter o mínimo respeito ao pensamento alheio, na ilusão de supor que o seu é o correto e por isso todos devem seguir. Não faz a menor questão de considerar que o direito de pensar diferente, que ele quer garantir para si, lhe impõe, em consequência, o dever de respeitar a opinião dos outros, mesmo que não concorde com ela.

Esse chavão de que “a Bíblia diz que os espíritos são demônios” é muito utilizado no meio dos “verdadeiros evangélicos”; entretanto, até hoje, não encontramos um só deles que pudesse provar biblicamente essa afirmação. Trata-se, obviamente, de interpretação pessoal a qual ninguém está obrigado a aceitar, a não ser os que comungam da mesma denominação que abraça; tal coisa é falácia, pois não há, em lugar algum na Bíblia, qualquer menção a suposta manifestação do demônio no lugar dos espíritos, que vêm se manifestar aos encarnados.

Aliás, falta-lhes capacidade de ver as afirmações bíblicas num sentido mais ampliado, apegando-se, demasiadamente, ora na literalidade, ora num passo isolado, razão pela qual, em ambas as situações embarcam numa canoa furada.

Nesse ponto, podemos, por exemplo, pedir-lhes explicações sobre a crença que advogam de que Deus tenha proibido a evocação dos mortos, apoiando-se em Dt 18,9-14, se “depois de mortos nós não mais poderemos voltar para este mundo”. Já o dissemos, alhures, que uma proibição de algo que não acontece, é semelhante à atitude de alguém que resolve colocar em pleno alto mar uma placa com os dizeres: “É PROIBIDO ESTACIONAR ÔNIBUS E CAMINHÕES”.

Assim, a tão propalada proibição é o maior atestado de que os mortos voltam para se comunicar com os vivos. Inclusive, fatos narrados na própria Bíblia confirmam isso. Veja-se, por exemplo, a manifestação do espírito Samuel ao rei Saul (1Sm 28,3-25; Eclo 46,20), a dos espíritos Moisés e Elias a Jesus (Mt 17,3; Mc 9,4; Lc 9,30), e o próprio Jesus manifestou-se, várias vezes, depois de morto, fato que ninguém contesta. Ademais, vê-se, claramente, que era crença comum àquela época a possibilidade de comunicar-se com os mortos, motivo pelo qual o rico pede a Abraão para enviar Lázaro (em espírito, claro), a fim de avisar a seus irmãos, ao que o patriarca respondeu, não que era impossível, mas que era completamente inútil, uma vez que, se nem aos vivos eles ouviam, muito menos ouviriam a um morto (Lc 16,19-35).

A denominação correta para pessoas que pensam assim seria a de “verdadeiros fanáticos”, que é, sem sombra de dúvidas, a mais coerente. Isso, porque não se dão conta de que demônio, como potência rival a Deus, nada mais é que aculturamento de crença pagã, no caso os persas, que possuem Ormuz, deus do bem, e Arimã, o senhor das trevas.

Por outro lado, caso existisse tal entidade, fica a pergunta: por que Deus deixaria a porta do inferno aberta, permitindo aos “demônios” virem nos atormentar, sem, em contrapartida, escancarar a porta do céu, para que os Seus anjos venham nos socorrer? Pelo andar da carruagem, mais leva o “demônio” espíritos para o inferno, que Deus almas para o céu. Haja “coerência”!!

Paulo da Silva Neto Sobrinho
abr/2012
(1) http://www.otempo.com.br/otempo/acervo/?IdEdicao=2374&IdColunaEdicao=18382

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Paulo Neto
É palestrante e articulista da Mídia Escrita Espírita e não Espírita, com vários artigos publicados em um grande número de jornais e revistas, muitos dos quais poderão ser encontrados na Internet e principalmente neste site.
Esta reflexão não necessariamente representa a opinião do GAE, e é de responsabilidade do expositor.

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