Todos aqueles que não acreditam na possibilidade da reencarnação aceitam, pelo menos, essas duas hipóteses: ressurreição física e penas eternas. A questão que colocamos é: será que com isso a justiça divina se manifesta de forma plena? Poderíamos conciliar tais coisas como determinados textos bíblicos, sem nenhuma incompatibilidade? Vejamos:
a) Ressurreição física
– Se Jesus ressuscitou fisicamente, por que, então, Ele aparece a Paulo em Espírito (At 16,7; Fp 1,19) e não em corpo físico?
– Teria como se provar biblicamente que uma só pessoa normal tenha ressuscitado em Espírito e ido para o céu? É fácil dizer que isso acontecerá no futuro, porquanto, assim se foge de ter que se provar.
– Se iremos para o plano espiritual de corpo físico, a firmação de Paulo de que “a carne e o sangue não herdarão o reino dos céus” (1Cor 15,50) é completamente sem sentido, para não dizer mentirosa.
– Se Jesus disse que na ressurreição nós seremos como os anjos do céu (Mt 22,30), não havendo, portanto, no outro lado da vida, casamento entre homens e mulheres, o que nos leva a concluir que essa ressurreição é espiritual, pois sabemos que os anjos são seres espirituais, mas como afirmam que ressuscitaremos fisicamente?
– Se pela parábola do rico e Lázaro (Lc 16,19-31), podemos ver que nela não se fala em ressurreição física, inclusive, não se afirmou que o rico foi enterrado, ressuscitou e foi para o lugar de “tormentos”, como então admitir uma outra ressurreição que não a espiritual?
b) Penas eternas
– Como acreditar no inferno se não há relato de sua criação? Em Gênesis apenas encontramos a citação da criação da Terra e do céu.
– Se não houve a sua criação no início, teria que, pelo menos, tê-lo criado num momento em que se estabelecesse alguma norma a ser cumprida. Quando Deus disse a Adão e Eva “não coma desse fruto” ameaçou-os com o fogo do inferno? E em relação aos dez mandamentos, há alguma coisa que manda para esse lugar quem não os cumprir? Não se pode penalizar alguém com uma pena não prevista em Lei, isso é o que estabelece a falha legislação humana, a divina seria pior?
– Se é justo que uma pessoa que viveu 100 anos não cumprindo as leis divinas, merecer a eternidade como pena? Por qual senso de justiça isso é aplicado?
– Considerando que Jesus disse “perdoar setenta vezes sete” (Mt 18,22) essa recomendação vale para nós e não para a própria divindade? Será que assim não estaria agindo como se diz no ditado popular “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”?
– A legislação humana, de uma forma geral, não estabelece pena perpétua para os criminosos, já que visa recuperá-los, o que julgamos ser uma evolução da humanidade em relação à penalização dos criminosos, estaria pois a legislação divina na contra-mão disso? Será que estamos sendo melhor que Deus, no tratamento para com os criminosos?
– Haveria como conciliar penas eternas com “O Senhor é misericordioso e compassivo; longânimo e assaz benigno. Não repreende perpetuamente, nem conserva para sempre a sua ira. Não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos retribui consoante as nossas iniquidades” (Sl 103,8-10)?
– Jesus disse “Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai de vocês que está no céu dará coisas boas aos que lhe pedirem” (Mt 7,11), alguém teria como explicar que penas eternas sejam “coisas boas” que Deus nos dá?
– Considerando que uma mãe vá para o céu e os filhos para o inferno, ela conseguiria ficar feliz naquele lugar vendo os seus filhos no inferno? Será que as mães, que são totalmente dedicadas aos filhos, passando fome, frio e sede, para que eles não passem por isso, depois da morte ficará completamente insensível ao sofrimento deles? Que tipo de vida é esse do outro lado que nos torna pior do que éramos aqui, quando vivos?
Na nossa maneira de pensar a única coisa que não fere a justiça e misericórdia divinas é a reencarnação. E é por ela que todos, sem qualquer tipo de sectarismo, chegaremos à condição de merecer estar junto ao Pai. Portanto, a reencarnação acaba com qualquer exclusivismo divino, até porque “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34), colocando todos nós no mesmo nível de tratamento e explica o porquê de umas pessoas nascerem cegas, aleijadas, doentes, etc., sem ferir o senso de justiça, já que nós apenas colhemos o que plantamos, valendo o precito “aquilo que semear, isso também colherá” (Gl 6,7).
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Ago/2007