“Não somos daqueles que atiram a pedra em quem não pensa como nós”. (Kardec)
Vamos encontrar os pioneiros, qualquer que seja o domínio de sua atividade, pagando muito caro a ousadia de quererem trazer ao gênero humano os benefícios de suas descobertas, de suas obras, de suas luzes. A estrada dos nossos conhecimentos está tingida com o sangue dos mártires. E se qualquer invenção, nos âmbitos da matéria, é recebida com hostilidade, fácil é compreender a oposição formidável que deve acarretar um movimento espiritual.
Ora, o Espiritismo veio agitar o mundo das ideias, e quando é a razão que se põe em marcha, as lutas são extraordinárias. As novas doutrinas espiritualistas estenderam sua ação e disciplinas várias e, ao mesmo tempo, invadem os domínios da Filosofia, da Ciência e da Religião. Eis, por consequência, os conservadores de pé atrás. É o homem velho que se levanta espantado, atemorizado, irritado.
Não são apenas “princípios” o que a Doutrina Espírita vem abalar; é o comodismo, é o jogo dos interesses. Há mais ainda: os privilégios se sentem ameaçados.
O Espiritismo foi, pois, o espantalho que surgiu no século XIX e contra ele e contra sua tese formou-se uma coligação geral. Todos os corpos doutrinários, todas as instituições, até então conflagrados pelas mais profundas divergências, se adunaram como as cidades gregas diante do alude persa.
Ciência e religião, que viviam em divórcio, irmanaram-se para combater o “inimigo”, como irmanadas ficaram as igrejas, até então umas com outras em perpétua guerra.
O Espiritismo, como o Cristo, porém, não veio destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento. Não há por que o recearem os homens de bem. Sempre houve no mundo lugar para todos e o Sol do amor divino estende-se por toda parte. As doutrinas que a Terceira Revelação veio fornecer à Humanidade só visam encaminhá-la para Deus.
Não são os pórticos sagrados que perigam; o que periga é a iniquidade, a felonia, a cupidez, a hipocrisia, a veniaga, o embuste, o orgulho, a prepotência, a intolerância, a estagnação. Sobretudo o que periga é o círculo acanhado em que se tem procurado fechar o pensamento, manietando-lhe os surtos, aprisionando-o, esmagando-o.
Aqueles que cumprem os seus deveres, com sinceridade, estarão inteiramente seguros, ou sob o zimbório das suas catedrais ou sob o colmo dos seus tugúrios. O Espiritismo prega o respeito a todas as crenças; o que busca reformar não são os templos, são os corações. E porque o homem, esquecido dos princípios divinos, se afasta das missões que lhe incumbem, é que o Espírito Santo desce à Terra e vem, nas manifestações da mediunidade, mostrar às criaturas interesseiras que Deus prescinde dos seus serviços.
Entre as diversas formas de combate ao Espiritismo conta-se a de procurar minar pela base as suas doutrinas, desmoralizando os seus livros fundamentais. Tirante as agressões chocarreiras e as injúrias anônimas, que deixamos de lado, este é o terreno dos intelectuais e por isso merece que o consideremos.
Padres e pastores protestantes, grande parte das vezes bem ilustrados, servindo-se de argumentos lançados com habilidade digna, aliás, de melhor empresa, analisam as obras espíritas e buscam mostrar os erros e as contradições da doutrina ou de Allan Kardec.
Em suma, ao lerem-se as objurgatórias, a impressão tida, num relance de olhos, é que todo o ensinamento espírita não passa de um montão de tolices, e que os eméritos “defensores do Cristianismo”, como se proclamam, procuram destruí-las em benefício da fé.
As diatribes correm o mundo. O que diz um padre repete o pastor; o que diz um pastor vai servir de tese a um materialista. A literatura minaz abre caminho. Os impressos vão de igreja em igreja, passam de mão em mão e depois correm de boca em boca. Alguns bem elaborados, redigidos com estilo, com elegância, com humorismo, aparentando construção lógica, vão surtindo o seu efeito entre o povo ignaro. Ora, apesar do grande esforço que representa para os nossos frágeis ombros e para as nossas poucas letras, revidar aos ataques, tomamos a empreitada de demonstrar a inanidade do propósito demolidor, resolvendo coligir as principais objeções apresentadas pelos adversários do Espiritismo, apanhando-as de várias fontes, a fim de mostrar os equívocos em que caíram seus autores.
Este trabalho representa, portanto, uma resposta às críticas lançadas ao Espiritismo. O que deve ficar em foco é a matéria; o de que se cuida é rebater teorias, desfazer enganos, explicar textos, corrigir transcrições, restabelecer a verdade. Se algo há a reprochar de seus acusadores é o se haverem deixado levar pelo espírito de seita, que empana, por vezes, lúcidas inteligências.
O partidarismo, onde quer que se manifeste, anuvia o sentimento de justiça. As fortes cerebrações, quando tomadas de paixão, nem sempre escolhem o caminho acertado. E é tão falho o nosso entendimento e tão precário o nosso juízo, que tudo devíamos estudar com ânimo desprevenido, mormente os que procuramos servir a Deus e principalmente os que têm cargos de responsabilidade nos seio das sociedades, como condutores de almas.
O que lhes havia a censurar, se acaso censura merecessem, seria a pressa que se deram em julgar se o necessário exame, pelo desejo de verem aparrada uma doutrina que não divisam com bons olhos. Conta-se que Pedro III, rei de Castela, costumava nomear pessoalmente os juízes do seu reino. Um dia, vagou no Tribunal de Sevilha um lugar de juiz e três concorrentes o disputaram. Pedro III chamou-os a todos e, indicando-lhes com a mão a metade de uma laranja que boiava na água de um tanque, perguntou:
— Que é aquilo? O primeiro respondeu sem hesitar:
— É uma laranja.
— a metade de uma laranja – disse o segundo, sem refletir.
E como o terceiro não respondesse, o rei repetiu a interrogação. Então, o aspirante a juiz, servindo-se de um bastão, aproximou de si a metade da laranja que flutuava, voltou-a em todos os sentidos, e, depois de ter hesitado alguns instantes, disse:
— Deve ser a metade de uma laranja.
— És um sábio – assegurou o rei – e vais ser o nomeado, porque não te atreveste, como os outros concorrentes, a julgar sem haver estudado bem a questão. Mais ainda: embora estivesses quase convencido de que não te enganavas, nem mesmo assim quiseste resolvê-la definitivamente.
Os nossos caros irmãos católicos, protestantes ou materialistas deveriam, pois, no caso, proceder sempre como aquele terceiro concorrente: examinar muito a meia laranja antes de darem o seu veredicto. Mas quão inverso é o que acontece! Com que afoiteza eles afirmam ou negam tudo, estribados em hipóteses precárias, em esteios movediços, numa argumentação casuística! Com que confiança asseguram que não há Espíritos ou que os Espíritos não se comunicam, apesar do infindável acervo de provas em abono da comunicabilidade! É de ver-se a certeza com que apresentam o seu laudo negativo, quando ele repousa nos andaimes arquitetados depois de exercícios malabares, fruto de prodigiosa acrobacia intelectual.
Á vista dos fenômenos, todos convergentes para a sustentação e demonstração da hipótese espírita, os ilustrados dignitários dos diferentes credos ou se calam ou recorrem às mais absurdas, injustificáveis e improváveis teorias. O que está claro diante dos olhos é o que eles não veem. Agora o contrário: a existência do inferno, do diabo, de três pessoas numa só, sendo Deus, ao mesmo tempo, o Filho e o Espirito Santo, isto não lhes causa dúvidas.
Não importa que um Espírito se apresente, se identifique por todos os processos conhecidos na Terra, que diga o que ninguém sabe, que prove a sua qualidade de Espírito, com os meios de prova que se requerem nas demonstrações terrenas. Não importa isto: tudo passa à conta do diabo. E devemos acreditar que os acontecimentos não se podem dar por outra forma, nem de outro jeito. Como elemento probante, o mais que se nos fornecem são textos bíblicos, elásticos, refutáveis, inverificáveis. Em matéria de prova devemo-nos todos contentar com isso.
Os representantes da ciência substituem, nos seus argumentos, a palavra diabo pela de subconsciente e dão como resolvido o problema.
É com esse material que uns e outros, ora com alguma ênfase, ora com muito humor, se julgam com o direito, senão com o dever, de se oporem à tese espírita, e então afirmam, asseguram, atestam de modo categórico, que ela está absolutamente, irrefragavelmente perdida!…
Diante de Pedro III não saberíamos como se iam haver os respeitáveis ministros da palavra, os dignos representantes de Deus ou de Minerva, para justificar a freima com que apresentam o seu julgamento.
Muito difícil será conseguir de nossos antagonistas que sobreponham, nos seus estudos, o amor da verdade ao dos princípios que defendem. Acreditamos, porém, nos processos da evolução, e esperamos poder ver, um dia, nesta ou em futuras encarnações, os esforçados antagonistas de agora, empregando as suas energias em defender as ora incriminadas doutrinas, com a mesma sinceridade que puseram em combatê-las.
(À margem do Espiritismo, Carlos Imbassahy)
É com não pouca honra e gratificação que ao lado de nosso apagado nome tomamos emprestado as palavras opulentas desse obreiro infatigável, polemista modelar, escritor claro e persuasivo, que soube, com irrefragável lógica, delineada com precisão e clareza inexcedíveis, rebater à pertinácia de críticas e condenações, carentes de lógica e reveladoras de precário raciocínio e assim demonstrar a inanidade absoluta de todas as críticas e ataques de que há sido alvo a Doutrina dos Espíritos. O que nos deixa por legado uma tarefa imensamente facilitada de responder aos nossos críticos, cujos argumentos, tirantes a forma e a ordem em que se alinham, são sempre os mesmos.
Por isso este site é dedicado a todos aqueles que abrigam o espirito investigador e empreendedor em seu imo, fazendo da dúvida racional e do questionamento incessante o trampolim necessário para a construção de suas próprias opiniões e filosofias de vida.