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Um Alerta de Allan Kardec e André Luiz

Tanto Allan Kardec quanto André Luiz reconhecem o caráter complementar entre a Ciência e o espiritismo. Porém eles orientam quanto aos cuidados e precauções na pesquisa espírita ligada à Ciência.

“O Espiritismo e a Ciência se complementam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação”[1].

Por essas palavras de Kardec no item 16 do Cap. I, em A Gênese, muitas pessoas podem imaginar que o Espiritismo necessita da Ciência para ser comprovada. Porém uma análise mais profunda[2-4] mostra que o Espiritismo é uma Ciência legítima cujo valor não necessita do aval das outras ciências. Além disso, uma explicação para essa afirmativa de Kardec aparece em seguida à frase acima, no mesmo item do Cap. I de A Gênese[1]: “O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo.” Kardec, assim, explica a dependência que o Espiritismo teve com o desenvolvimento das ciências materiais. Elas deveriam vir antes de modo que as ideias pudessem ser preparadas para o advento do Espiritismo.

No item 18 do Cap. I do mesmo livro[1], Kardec afirma: “O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo, toca forçosamente na maior parte das ciências; só podia, portanto, vir depois da elaboração delas; nasceu pela força mesma das coisas, pela impossibilidade de tudo se explicar com o auxílio apenas das leis da matéria”.

Desta forma fica claro que não são os conceitos da Física, Química e Biologia que devem confirmar ou comprovar os princípios básicos do Espiritismo. Isso está presente nas seguintes palavras de Kardec no item VII da Introdução de O Livro dos Espíritos[5]: “A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter.”

No entanto, mesmo conhecendo essas afirmativas, ao nosso ver, muito claras de Kardec, vários irmãos nossos têm conferido enorme valor a resultados de pesquisas científicas, mormente na área de Física, como sendo resultados que comprovam os princípios espíritas quando, uma análise mais séria e profissional nos mostra que isso não é verdade. Existe, não só no meio espírita, uma excessiva valorização da Física Quântica como sendo a teoria científica que vai confirmar a existência de Deus e/ou do Espírito. Confrades valorosos, entusiasmados com as perplexidades que a Física Moderna apresenta, agem, sem o saberem, de forma imprudente ao supervalorizarem algumas teorias da Física como favoráveis ao Espiritismo. Um exemplo é a afirmativa de que “A Física Quântica está em busca da partícula divina”. Cita-se mesmo cientistas premiados com o Nobel, como o Dr. Leon Lederman que afirma que a ciência está “procurando a partícula divina” a partir da qual todas as outras seriam constituídas. O que não se percebe é que estes cientistas não estão procurando Deus mas sim estão querendo encontrar a partícula que seja a “causa primária” de todas as outras o que eliminaria, por sua vez, a ideia da necessidade de um Criador Divino.

Recentemente, no IV Congresso Nacional da Associação Médico Espírita do Brasil, ocorrido em São Paulo, entre os dias 19 e 20 de junho de 2003, um conferencista internacional, Prof. Dr. Amit Goswami, foi convidado para proferir palestra sobre a Física Quântica. Apesar de ser muito importante conhecer as pesquisas de cientistas internacionais, o movimento espírita deve receber as propostas do Prof. Goswami com cautela, antes de considerar suas ideias como sendo espíritas. Em seu recente livro intitulado O Universo Autoconsciente[6], o Prof. Goswami propõe a existência de uma consciência maior como solução para os paradoxos que os fenômenos quânticos apresentam. Uma característica dessa consciência é ser de caráter coletivo. É importante frisar que as propostas do Prof. Goswami ainda não foram aceitas pela comunidade científica. Porém ele tem recebido apoio dos grupos espiritualistas em geral. Mesmo sendo uma proposta embasada de forma mais séria nos conhecimentos científicos, a interpretação do Prof. Goswami não considera a existência da  nossa consciência individual. A Doutrina Espírita é clara a esse respeito: “Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente…”(questão 79 de O Livro dos Espíritos[5]). É preciso estudar e analisar como o espírito se caracterizaria perante essa consciência maior e se as propostas dele estão em desacordo com outros princípios espíritas. Esse estudo necessita ser feito antes de afirmarmos que a proposta dele “prova” alguma ideia espírita.

O problema dessas propostas e das teorias da Física Moderna como a Teoria das Supercordas e o Modelo Padrão é o alto nível de teoricidade desses modelos. É muito difícil, para não dizer quase impossível, verificar-se experimentalmente os resultados destas teorias. Existe uma expectativa de se encontrar uma “Teoria Final” ou“Teoria de Tudo” que fosse absoluta no sentido de ser a base da existência de tudo no universo. Num recente artigo [7] publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física, uma pesquisa foi realizada com a comunidade de físicos brasileiros sobre o que eles pensam a respeito dessas teorias “Final” e “de Tudo”. Os resultados mostraram que a maioria dos físicos brasileiros não concorda com a existência de uma teoria absoluta para tudo. Se os físicos, que são os profissionais no assunto, não aceitam ainda essas teorias de forma absoluta, como é que nós espíritas podemos dar crédito a elas? Se essas teorias ainda são de difícil comprovação experimental, como nós espíritas podemos nos basear nelas para afirmar, por exemplo, que “o espaço-tempo negativo corresponde ao mundo espiritual”? Isso tudo, sem contar que essas teorias modernas em Física estão constantemente sendo renovadas e alteradas enquanto que não procuramos sequer saber sobre por que o Espiritismo permanece intacto ao longo dos seus quase 150 anos [8].

Citamos, mais uma vez Kardec no item 14 do Cap. I de A Gênese[1]: “Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental.(…) É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas.”(grifos nossos).

E ainda no item VII da Introdução de O Livro dos Espíritos[5]: “Desde que a Ciência sai da observação material dos fatos, em se tratando de os apreciar e explicar, o campo está aberto às conjeturas. Cada um arquiteta o seu sistemazinho, disposto a sustentá-lo com fervor, para fazê-lo prevalecer. Não vemos todos os dias as mais opostas opiniões serem alternativamente preconizadas e rejeitadas, ora repelidas como erros absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdades incontestáveis? Os fatos, eis o verdadeiro critério dos nossos juízos, o argumento sem réplica. Na ausência dos fatos, a dúvida se justifica no homem ponderado.” (grifos nossos)

Essas duas citações mostram claramente que Kardec sempre priorizou o método experimental como reveladora da verdade. Teorias, por mais bonitas e engenhosas, serão sempre teorias se não puderem explicar e prever os fatos. Utilizar-se de teorias físicas ainda muito teóricas para confirmar o Espiritismo é agir de forma precipitada e contrária ao que ensinou Allan Kardec.

Acredito que muitos irmãos nossos no movimento espírita se motivaram a procurar relações entre o Espiritismo e essas teorias devido, também, ao trabalho de André Luiz. O que não se percebeu, foi que André Luiz foi muito cauteloso em apresentar suas ideias. Estamos falando a respeito do livro mecanismos da Mediunidade[10]. Neste livro, André Luiz propõe a explicação para os mecanismos dos processos mediúnicos utilizando-se os conceitos mais modernos de Física, à época da 1a. edição do livro. O que acreditamos ter escapado à análise da maioria das pessoas, foram os cuidados que André Luiz deixou claro no prefácio escrito por ele, intitulado “Ante a Mediunidade”. No oitavo parágrafo, André Luiz afirma: “(…) Aliás, quanto aos apontamentos científicos humanos, é preciso reconhecer-lhes o caráter passageiro, no que se refere à definição e nomenclatura, atentos à circunstância de que a experimentação constante induz os cientistas de um século a considerar, muitas vezes,como superado o trabalho dos cientistas que os precederam.”(grifos nossos).

E acrescenta no parágrafo seguinte que: “Assim, as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre, valem aqui por vestimenta necessária,mas transitória, da explicação espírita da mediunidade, que é, no presente livro, o corpo de ideias a ser apresentado.” (grifos nossos).

Percebe-se claramente que André Luiz não afirma que os conhecimentos científicos atuais sejam a solução definitiva para os mecanismos da mediunidade. Muito menos, André Luiz os considera como prova científica da mediunidade. Ele utiliza os conhecimentos científicos como forma didática para melhor explicar os mecanismos dos processos mediúnicos.

Nesse aspecto, essa utilização foi necessária. Mas deixou claro que, no futuro, com o desenvolvimento da Ciência, novas formas de entendimento da mediunidade poderão surgir. Nesse aspecto, essa utilização é transitória.

Assim, percebemos que André Luiz foi muito cauteloso nesse trabalho de utilizar-se dos conceitos científicos na explicação de um fenômeno espírita. É importantíssimo que esse exemplo de cuidado seja tomado por todos nós espíritas na divulgação dos estudos e pesquisas que envolvam o conhecimento científico.

A humanidade realmente carece dos conhecimentos espirituais e todo esforço é nobre no sentido de mostrar que esses conhecimentos são verdadeiros. Por isso, não desejamos desestimular o estudo e pesquisa em tópicos espíritas relacionados a tópicos científicos.

Enfatizamos que é preciso redobrar os cuidados no nosso trabalho de divulgação destas pesquisas que levarão o adjetivo de espíritas. É necessário que exista conhecimento profissional no tema que se deseja trabalhar. Isto pois, justamente os profissionais de cada área é que saberão avaliar se a pesquisa está sendo realizada com o mesmo rigor que um tema puramente material teria. Por outro lado, se algo é uma opinião, ele deve ser divulgado como opinião e não como verdade científica. Além disso, toda ideia deve ser divulgada com a sua devida explicação para que os leitores apreciem o seu valor. O fato de uma ideia se relacionar com um assunto científico não significa que ela seja uma verdade científica. O fato de uma pessoa ser cientista não significa que suas ideias serão verdades científicas. André Luiz teve esse cuidado ao dizer que se utilizará dos conhecimentos científicos como “vestimenta necessária, mas transitória” na explicação dos mecanismos da mediunidade. Por fim, não se esqueça o leitor que os olhos da crítica são altamente especializados.

O movimento espírita sofre quando ideias prematuras, ingênuas, pseudo-científicas são divulgadas como verdades e que, ainda, são ditas comprovar o Espiritismo. Portanto, vamos tomar mais cuidado com relação aos tópicos ligados não só à Física mas à Ciência como um todo.

Aproveitamos para sugerir às editoras espíritas a criação de mecanismos que permitam a análise de todo o conteúdo daquilo que for submetido para publicação em livro ou revista. Que não seja só o ponto de vista doutrinário a ser analisado, mas também o ponto de vista técnico e científico de acordo com cada caso. Não se trata de censura e, sim, de zelo por aquilo que receberá o adjetivo de espírita. Mais uma vez, nas palavras de Kardec[11]: “(sobre comunicações mediúnicas): Em grande número encontramo-las notoriamente más, no fundo e na forma, evidente produto de Espíritos ignorantes, obsessores ou mistificadores(…). Publicá-las teria sido dar armas à crítica. (…) O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha sine qua non do sucesso. (…) Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.”(Grifos nossos).

Uma sugestão seria fazer o que todas as revistas científicas internacionais fazem: cada artigo submetido para publicação é enviado a, pelo menos, um assessor anônimo, especialista no assunto que o artigo trata, para fazer uma análise. Acreditamos ser esse um passo extremamente necessário e útil para que a evolução e divulgação das ideias espíritas possa ocorrer dentro de maiores padrões de qualidade. Chamo Kardec para concluir esta matéria: “é preferível rejeitar 10 verdades do que aceitar uma só mentira.”(*)[12].

O autor é Doutor em Física pela UNICAMP e “Post-Doc” no Intituto de Física da USP. Atualmente, o autor está trabalhando como “Short -term Post-Doc” no Departamento de Química de Rutgers, The State University of New Jersey, EUA.

Nota:
(*) Esta frase é de Erasto, in O Livro dos Médiuns, cap. XX, item 230. (Nota de A ERA DO
ESPÍRITO)
Referências
[1] A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 36a. Edição, (1995).
[2] S. S. Chibeni, Reformador, Dezembro, p.373 (1988).
[3] S. S. Chibeni, Revista Internacional de Espiritismo, Março, p.45 (1991).
[4] S. S. Chibeni, Reformador, Junho, p.176 (1994).
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a. Edição, (1995).
[6] A. Goswami, O Universo Autoconsciente, Editora Rosa dos Tempos, 4a. Edição (2001).
[7] A. Zylbersztajn, Revista Brasileira de Ensino de Física, Vol. 25, p. 1 (2003). Essa revista é
acessível via internet através do site:http://www.sbf.if.usp.br/rbef
[8] Recentemente, no artigo da referência [9], tivemos a oportunidade de comentar sobre a
fragilidade do Modelo Padrão diante da descoberta de que o “neutrino” tem massa, discutindo
as razões da solidez da Doutrina Espírita.
[9] A. F. da Fonseca, Revista Internacional de Espiritismo, março, p. 93 (2003).
[10] A. Luiz, Psicografia de F. C. Xavier, Mecanismos da Mediunidade, Editora FEB, 11a. Edição
(1990).
[11] A. Kardec, Revista Espírita 5, p. 153, (1863).
[12] A. Kardec, Revista Espírita 8, p. 257, (1861).
REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, ANO LXXVIII, N. 9 (Outubro), p. 476, (2003)

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Alexandre Fonseca
Ávido leitor e estudioso da doutrina espírita, desde os 15 anos de idade. É um cientista e físico formado pela Unicamp onde também realizou os cursos de mestrado e doutorado.
Esta reflexão não necessariamente representa a opinião do GAE, e é de responsabilidade do expositor.

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